Se por acaso eu acabar pegando todos os genes ruins da minha avó e vir daqui a uns 20 anos a ter o tal Alzheimer – que por acaso eu não sei escrever o nome e tenho que ficar me corrigindo o tempo todo – acabar-me-ei esquecendo algumas coisas, como por exemplo, o meu primeiro beijo, o nome dos meus melhores amigos, o endereço da minha casa e talvez as chaves dela em algum supermercado qualquer – Não que isso tenha acontecido, só pra deixar claro.
Mas nem tudo é só lamentação, pois bem, com Alzheimer vou esquecer todas as decepções que a vida me trouxe, cada lembrança ruim, cada pessoa ruim. Talvez eu esqueça o meu nome, o seu nome e talvez esqueça a nossa história enrolada. Vou esquecer quantas vezes eu fui irritante e quantos encontros eu voltei frustrado por descobrir que a pessoa não era muito bem o que parecia ser.
Nunca vou entender muito bem essa obsessão da mente humana em manter cada memória ruim e ficar apertando replay o tempo todo. Eu que sempre achei que pra dar um stop no tal replay o segredo era sair pra conhecer gente nova. E olha meu problema se resolvendo sozinho com os tais genes ruins, olha eu conhecendo e vendo gente velha-nova o tempo todo, vendo minha mãe sendo a senhora que cuida de mim e que toda vez muda e me faz achar que sou muito chato e talvez irrite a todas as outras mulheres que vieram antes dessa nova-velha que é ainda é minha velha-mãe. Quem sabe ao ver alguns amigos me visitando eu fique um pouco tímido por ter que conhecer tanta gente nova ao mesmo tempo, rindo de fotos que eu apareço e cantando músicas que em algum lugar mais parece velhas-novas-músicas que eu deveria conhecer. Por outro lado, por algum acaso da natureza ou Deus bancando o sádico, me encontre diante de uma foto nossa na qual eu me lembre exatamente de você e de tudo. Que esqueça as chaves, esqueça a minha escritora favorita, o meu filme favorito, mas não esqueço a maldita música que tocou quando a gente ficou em silêncio pela primeira vez. Vai ver é a 52ª vez que eu pergunte se você me ligou e reclame que você não respondeu nenhum SMS meu, onde na verdade nem meu celular eu vou saber mais onda está e a tal mensagem eu enviei há talvez exatos 20 anos atrás. Vai saber não é mesmo?!
E o tempo todo que eu vivia repetindo que queria desaparecer, não é o que vai acontecer? Sem nome, sem profissão, sem amigos, sem família, um dia todo vagando, vegetando e ouvindo rumores de um cara com o mesmo nome que o meu – bem eu acho que é. Que viveu por aqui e foi um pé no saco ou talvez uma alma bondosa que enlouqueceu enquanto esperava as coisas se acertarem. Vai saber não é mesmo?! O que sei é que cada dia ou dependendo cada hora, minha vida nunca será mesma, essa minha nova-velha-vida vai ser algo incrível, o tempo todo me reinventando, hora sou criança, hora sou adulto, hora eu governei uma nação e hora não dei jeito nem no coração.
Acho que poderia enviar esse texto para alguém e daqui a 20 anos esse alguém poderia ler ele para mim e falar, olha é meia-boca, mas é seu. E eu vou rir. Rir porque meia-boca é uma palavra engraçada, rir porque eu sempre fico rindo de tudo e claro, rir porque tem um amigo meu lendo a droga de um texto meia-boca que ainda fala que eu escrevi, como assim? Se eu não lembro, eu não fiz, mas vou dar um desconto é meu ami... Como é o seu nome mesmo? Só pra finalizar sem esquecer nada, quase me esqueci de falar, meu pai é adotado, teoricamente eu não tenho nenhum gene ruim da minha “avó” e essa mania de esquecer nomes e chaves é só coisa da idade mesmo, que sorte viu!
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